domingo, 3 de dezembro de 2017

O Matador, da Netflix

Quanto tempo faz que eu não posto nada, hein galera? Tenho certeza de que todo mundo um monte de gente que lê o blog nem me conhece, ou não se lembra de mim. Enfim, há algum tempo ia postar um negócio maneiro pra vocês, mas desisti e ia deixar por isso mesmo; até ser intimado convidado pelo Líder Supremo CAL padeiro Santana a postar sobre esse filme pioneiro no cinema nacional, a primeira produção de longa metragem do Brasil a alçar vôos internacionais dentro da Netflix. Então, esse post vai ser como todo post meu: um belo de um textão cagador de regras cinematográficas e disfarçado de crítica uma crítica inteligente e bem fundamentada! u.u
Para os que se lembram de mim, é bom revê-los. Para os que não se lembram, procurem um lugar confortável, de preferência com encosto para não machucarem a lombar, e estejam avisados de que vão cansar os olhos com tanta leitura. Vamos lá!

Salve Cabeleira!
Virou clichê/senso comum discutir sobre cinema nacional e buscar respostas para a aparente apatia por parte das produtoras, e dos patrocinadores, em contar histórias diferentes, de formas diferentes. As perguntas que surgem são sempre as mesmas: “Por que só vemos comédias nas salas de cinemas dentro da produção nacional?”, “Por que os cineastas só falam de favela e do nordeste?”. Se esse post fosse exclusivamente sobre isso, eu responderia tais indagações falando sobre representação do meio social dentro da arte, de assuntos caros aos brasileiros e principalmente sobre o lucro que se espera com uma produção que gasta muito, dentro de um cenário desfavorável, pouco rentável. Mas não, esse post não é só sobre o senso comum do cinema brasileiro, é sobre um filme específico chamado O Matador, de Marcelo Galvão, e que estreou dia 10 de novembro de 2017, distribuído pela Netflix.
E também, um pouquinho, sobre o que foi exposto anteriormente.
Marcelo Galvão roteiriza, produz e dirige O Matador.
Enquanto no resto do globo, leia-se Hollywood, a crítica intelectual em cima do Cinema de Gênero é ferrenha, porque é lucrativo e por isso produzido em massa, prezando-se a quantidade em detrimento da qualidade, aqui no Brasil percebo que há uma ânsia de uma parte do público, e também da crítica, por mais filmes desse tipo. Temos poucas produções de terror, suspense, ação e fantasia no mercado; claro, excluo desse comentário o cinema independente, primeiro porque não tenho leituras suficientes para tanto, e depois porque a representatividade desse nicho não se encaixa nessa discussão, visto que poucos filmes dessa alcunha alcançam o grande público, infelizmente.
Na esteira dessa decepção quase unânime - com raras excessões, tal qual Tropa de Elite (2007) -, algumas produções tentam o seu espaço ao sol, pecando hora pelo excesso na vontade de acertar, hora pela má qualidade devido a equívocos nas escolhas técnicas; como roteiro capenga, direção mecânica e sem criatividade e atuações medíocres, tudo por conta do medo de se gastar muito na qualidade de um filme desses e lucrar pouco com ele. Por isso, quando nos deparamos com uma película como O Matador, um western brasileiro, onde seus erros não superam os acertos, é sempre motivo para se comemorar.
Ainda assim, ficamos com um gostinho de: “esse filme não poderia ser melhor?”.
Na obra, acompanhamos a narrativa, inserida em outra narrativa - você entenderá quando assistir, leitor -, de um matador da época do cangaço tendo de lidar com uma nova realidade que se abate sobre ele. E é aí, nessa confusão de entrelaces, que o filme parece acertar e errar, constantemente, numa montanha russa de pensamentos no espectador que vão do “Esse filme é massa!” ao “Cara, que diabo é isso que eu tô vendo?”.     
Diogo Morgado interpreta Cabeleira, o matador do título.
O matador chama-se Cabeleira e é interpretado, muito bem por sinal, por Diogo Morgado. O “cabra”, apesar do ator ser um galã, devido a uma pesada maquiagem, é feio e sabe ser intimidador; mesmo com sua implícita ingenuidade, fruto de sua “matutice”. O trabalho de corpo, por vezes acuado, como um animal selvagem prestes a avançar contra sua ameaça, e a voz de Morgado é o que mais chama atenção para a personagem. Outros atores também cumprem seu papel muito bem, como Etienne Chicot, no papel do Coronel Francês, ou Monsieur Blanchard, e Paulo Gorgulho, interpretando o tenente Sobral. E esses fatores são pontos altos na direção de Marcelo Galvão, que nos apresenta suas personagens em pequenas narrativas que desembocam no mesmo fim, de maneira até satisfatória. Contudo, ao longo que o filme vai avançando, com mais e mais tramas sendo estabelecidas, chegamos no maior erro de O Matador: a indecisão na hora de qual caminho tomar para se contar a história que o roteiro pede; por sinal, também escrito pelo diretor.
Etienne Chicot interpreta o Monsieur Blanchard. 

Paulo Gorgulho interpreta o Tenente Sobral, o cabra macho!
Logo no início, uma primeira trama é estabelecida, que leva para a introdução de uma segunda narrativa, e seu contexto, que culmina na trama principal, sendo que ela começa pelo fim, em um excelente flashforward; e sim, no filme tudo também acontece dessa forma, atropelando-se e confundindo. Esses vários começos, de certo curiosos, vão prendendo a atenção pelo estilo diferente de se contar uma história, mas perde o fôlego e deixa a impressão de que o roteiro quer contar demais, mas tem tempo de menos; algo que se comprova mais na frente. Fora esse detalhes, temos a narração em off, iniciada na primeira trama estabelecida e dando continuidade a ela, que também é um ponto fraco para esse começo, porque toma tempo demais e se torna maçante. Em tela, durante algum tempo, estamos somente diante de imagens ilustrativas de uma fala sem quase nenhuma empatia de nossa parte, apesar de termos o seu contexto.
Corisco e seu bando.
Além disso, de volta para o contar demais, os muitos personagens, estereótipos do sertão do cangaço, vão se sobrepondo e enriquecendo o imaginário do espectador sobre aquele universo, montando sua lore ;) mas parecem mal aproveitados, visto que pouco tempo de tela possuem, mesmo sendo importantes para a trama principal, todos eles; o que deixa de ser um defeito no roteiro, porque nenhum desses coadjuvantes estão deslocados na narrativa, mas que somente os tornam funcionais, transitando e influenciando até os pequenos direcionamentos do que está por vir. Prova disso, Corisco, o cangaceiro que herdou o espólio de Lampião, apesar da excelente caracterização, aparece e some do filme apenas para contextualizar o longa e servir de gatilho para uma certa motivação de Cabeleira na trama.
São escolhas compreensíveis, visto o tempo médio de um longa metragem comercial - estamos falando de Netflix, não é mesmo? -, porém, tanto esmero e detalhes em tantos personagens para pouco uso deles, deixa uma certa insatisfação/frustração em quem o assiste. Se isso é algo positivo para alguns, o conhecido gostinho de quero mais, para outros pode ser decepcionante; ainda mais quando boa parte das excelentes personagens só vão sumindo, e sumindo…
E é isso, contente-se.
Um último fator que incomoda é a direção de algumas sequências de ação, que só parecem mais artificiais do que já aparentam quando somadas aos ferimentos gerados por Computação Gráfica que surgem com o alojamento das balas, o famigerado CG tosco.
Mas Gaspar, você disse que os defeitos não superam os acertos!
Calma, jovens, deixei o melhor para o final.
A atmosfera de western é um dos pontos altos do filme.
Apesar dos equívocos narrativos, culpa das escolhas da direção e da montagem, temos uma fotografia absurda, de uma qualidade impecável e que deixa muito filme gringo no chinelo; muito filme que tem na Netflix, inclusive. A parada é tão linda, e passa tão bem a tonalidade do sertão, o clima quente através das cores quentes e da luz forte sobre os pobres sujos e suados, em contraste com os limpos e asseados da classe alta, os quais não precisam labutar no sol forte, que você até releva um ou outro CG/fundo verde artificial e desnecessário. A direção acerta, e também relevamos as suas escolhas errôneas, quando opta por planos mais ousados, por panorâmicas do sertão, evocando a aridez própria dos filmes de western. A adequação ao gênero o qual se propõe O Matador também é caprichosa. Temos o anti-herói forasteiro, os tiroteios, o sangue, a violência e o sexo explícitos, e até um cowboy vestido de preto e falando inglês no meio do Nordeste!
Elementos que deixariam Sergio Leone orgulhoso de assistir o filme de Marcelo Galvão...
A fotografia ajuda a passar o clima do sertão...
E lembram-se da narração em off, resultado da primeira trama que inicia a película, de que falei, aquela que atrapalha o andamento do início do filme? Então, ela encerra muito bem tudo o que vínhamos acompanhando, revelando-se não ser desnecessária, agregando apego e motivos ao todo do que se está sendo contado. Desse modo, no final, quando analisamos o conjunto da obra, vemos que a intenção do roteiro é boa. Tudo é bem amarrado e nada parece perdido, ou jogado. Só é frustrante percebermos algo que poderia ser grandioso, tornar-se somente divertido, bom.
... e é a melhor coisa de O Matador. Olha isso!
A estética é acertada, estilosa, os personagens extremamente bem caracterizados e atuados, os acontecimentos interessantes e coesos, mas a amarração disso tudo é indecisa e quase leva tudo para mais uma decepção com o Cinema de Gênero nacional. Pelo menos, ao terminarmos de assistir O Matador, o nosso velho e conhecido bordão “Esse filme pode ser ruim, mas já é melhor do que muita comédia da Globo Filmes por aí!” dá espaço a um cada vez mais frequente “Podia ter sido melhor, mas me diverti bastante!”. Se vocês acharam isso ainda decepcionante para o que esperamos de filmes de gênero brasileiros, lembrem-se de que algumas produções da Marvel/de super heróis em geral fazem bilhões ao ano, causando em boa parte de seus fãs a mesma exclamação e, ainda assim, nenhum de nós deixa de consumir tais produtos.
Ou seja, O Matador vale a pena e mata sua vontade, assista!

E teje dito, cabra!



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